sábado, 11 de agosto de 2012

Trilogia "Aconteceu num café" - 2a história



* Quem tiver curiosidade, a primeira história está aqui.


- E então..?

- Então o quê?!

- Qual a sua opinião sobre tudo? Foi você quem me chamou aqui. Disse que tinha algo importante para falar – ele fez uma pausa para saborear o café que tinha acabado de chegar – Julguei que seria sobre isso.

- Pensamento muito sensato o seu. Antes, me responda uma coisa: quantas recusas você consegue suportar? – perguntou ela com um sorriso nervoso entre os lábios.

- Cof, cof.. é, acho que esse pode ser um assunto complexo demais para um mero café! - ele fez menção de chamar novamente o garçom.

- Por favor! Não leve para o lado pessoal. – ela disse enquanto pegava mais um sachê de açúcar – Sejamos adultos, tendo uma conversa igualmente adulta, ok? Agora, responda a pergunta!

- Apenas um número? É isso que você quer?!

- Sim, Ed! – ela não pode demonstrar menos impaciência – Apenas um número. Mas, se for muito difícil para voc...

- Cinco. – interrompeu ele, rispidamente. - Eu acho. Espera.. isso significa que você não gostou?! Não pode ser! Nas outras duas ocasiões você era só elogios para comigo. – E completou, quase aos berros  –  O que mudou?!


Era nítido que ele estava perdendo o controle da situação. Por quê?! Sempre a mesma ladainha. A terceira só naquele ano! Vinte nove anos uma ova! Queria seus nove anos de volta, quando tudo era bem mais simples. E divertido. Sim, muito divertido.


- Ed, será que você consegue refletir em modos a idade que tem? Por favor! – ela olhou para os lados e fez um breve movimento para se levantar, porém deteve-se ao sentir as mãos dele sobre as suas. – Novamente, eu lhe peço: não leve para o lado pessoal, ok? É mais comum do que você imagina. Você é bom.   –  e completou, diante de um leve sinal negativo dele  –  Sério! Engraçado, profundo, afetuoso, dedicado. Mas não é bom o bastante. – fez uma breve pausa e completou já de pé diante dele – Não para nós.

- Tudo bem. Me desculpe pelo descontrole momentâneo. – disse ele enquanto observava a borra de sua xícara – Você pode ao menos me dizer quais meus pontos fracos? No que posso melhorar, sabe?! Para isso não se repetir mais vezes.

- Querido – disse ela da forma mais amorosa possível, voltando a sentar-se. – Vou responder a sua pergunta com uma simples analogia, utilizando exatamente este espaço onde estamos. Você está vendo aquele casal de idosos ali, próximo ao balcão?

- Sim.

- Ótimo. Alguns minutos atrás, assim como fez conosco, o garçom passou por eles para anotar seus pedidos. Como você pode ver, o senhor está tomando café expresso e a senhora, um cappuccino, certo?

- Concordo.

- Agora eu lhe pergunto: qual a diferença entre os dois? O que um cappuccino tem que um café expresso não tem?

- Ah.. sei lá. – ele parou um instante, não apenas para pensar na resposta, mas para imaginar onde essa observação se encaixaria no pedido que havia feito. – O cappuccino, além de café expresso, também leva leite e espuma.. é isso?!

- Exato! – exclamou ela apontando o dedo para a testa do rapaz como uma professora querendo chamar a atenção da sala ao aluno sabichão. – Agora, uma pergunta mais complexa: por que eles fizeram pedidos tão sutilmente diferentes?

- Não sei.. talvez porque eles sejam pessoas diferentes?!

- Novamente correto, querido.

- Está bem. Mas o que isso tem a ver com a pergunta que lhe fiz antes?

- Cada pessoa tem um gosto, Ed. Um dia, você encontrará alguém que leia o seu trabalho e visualize o café expresso que sempre buscou. Simples assim. – disse ela, abrindo um sorriso sincero – Agora preciso ir. Boa sorte com o livro, querido.


H (ainda há esperança!)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A fonte dos desejos

Imagem meramente ilustrativa



Quando eu era mais novo (mais de idade do que de estatura), minha mãe dividia seu tempo entre os afazeres da casa, os cuidados com os filhos e marido e seu principal hobby: a costura.

Como, para facilitar seu trabalho, minha irmã e eu estudávamos em horários diferentes, ela sempre me arrastava em suas viagens homéricas, em busca de tecidos, botões e demais apetrechos necessários.

Quase sempre aceitei de bom grado tal tarefa. Claro que tinha em mente o lado especulativo que essa empreitada possibilitava. Era, salvo raríssimas exceções como aniversários, eleições e visitas a parentes distantes, de aproveitar o bom humor e a grande disposição da minha mãe para “exigir” algo em troca da minha prestativa função como filho. Nada muito elaborado e/ou expansivo. Geralmente, uma guloseima ou salgado.

Porém, uma das minhas exigências favoritas não passava nem perto da ala gastronômica.

Uma das lojas que minha mãe visitava com maior freqüência ficava no bairro da Lapa. Defronte a supracitada estava um Grupamento do Corpo de Bombeiros. E, na entrada deste, ficava uma pequena fonte com peixes japoneses dos mais coloridos. No fundo, um tapete de pequeninos objetos metálicos, em forma de brilhantes moedas.

Diferentemente de outros casos, nesta loja, fazia questão de esperar minha mãe na porta. Ela, provavelmente com medo de que eu aturdisse como um louco até o outro lado da rua, lançava um olhar risonho à fonte, voltava-se para mim, passava a mão em minha cabeça e dizia: “volto já”.

E lá ficava eu, estancado. O olhar fixo e um desejo crescente, maior do que qualquer número que eu conhecia àquela época.

Difícil explicar quais eram meus sentimentos ao ficar ali parado. Tudo para mim era digno de admiração. Até as pedras que adornavam a fonte eram especiais. Lembro que numa das primeiras vezes que fomos até ela, perguntei a minha mãe porque as pessoas jogam moedas aos peixes ao invés de comida. Minha genitora, que nunca foi dada a vislumbres ficcionais, disse-me algo que, mesmo sem saber, transformou aquele lugar no ponto conflitante entre minha realidade e minha imaginação: aquela era uma fonte dos desejos!

Infelizmente, com o passar do tempo e o assombro das responsabilidades acumuladas, tendemos a substituir esse aspecto quixotesco da infância.

Ontem à noite, após quase 20 anos, passei novamente pela tal fonte. Tinha o caminhar apressado e fôlego quase nulo. A última condução para meu merecido descanso sairia em poucos minutos.

Não sei bem se foi a tranqüilidade do horário ou minha felicidade pelo dia exaustivo que tive, mas retrocedi alguns passos. Tal como Narciso, admirei meu reflexo, sombrio e desbotado de luz artificial, antes mesmo de passar os olhos pelo entorno.

Tão saudoso quanto Casimiro de Abreu, lembrei-me daquelas manhãs gélidas e fugazes. Abri um pequeno sorriso, agradeci e me afastei, sentindo-me renovado.


H (Novo.. denovo)