sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A fonte dos desejos

Imagem meramente ilustrativa



Quando eu era mais novo (mais de idade do que de estatura), minha mãe dividia seu tempo entre os afazeres da casa, os cuidados com os filhos e marido e seu principal hobby: a costura.

Como, para facilitar seu trabalho, minha irmã e eu estudávamos em horários diferentes, ela sempre me arrastava em suas viagens homéricas, em busca de tecidos, botões e demais apetrechos necessários.

Quase sempre aceitei de bom grado tal tarefa. Claro que tinha em mente o lado especulativo que essa empreitada possibilitava. Era, salvo raríssimas exceções como aniversários, eleições e visitas a parentes distantes, de aproveitar o bom humor e a grande disposição da minha mãe para “exigir” algo em troca da minha prestativa função como filho. Nada muito elaborado e/ou expansivo. Geralmente, uma guloseima ou salgado.

Porém, uma das minhas exigências favoritas não passava nem perto da ala gastronômica.

Uma das lojas que minha mãe visitava com maior freqüência ficava no bairro da Lapa. Defronte a supracitada estava um Grupamento do Corpo de Bombeiros. E, na entrada deste, ficava uma pequena fonte com peixes japoneses dos mais coloridos. No fundo, um tapete de pequeninos objetos metálicos, em forma de brilhantes moedas.

Diferentemente de outros casos, nesta loja, fazia questão de esperar minha mãe na porta. Ela, provavelmente com medo de que eu aturdisse como um louco até o outro lado da rua, lançava um olhar risonho à fonte, voltava-se para mim, passava a mão em minha cabeça e dizia: “volto já”.

E lá ficava eu, estancado. O olhar fixo e um desejo crescente, maior do que qualquer número que eu conhecia àquela época.

Difícil explicar quais eram meus sentimentos ao ficar ali parado. Tudo para mim era digno de admiração. Até as pedras que adornavam a fonte eram especiais. Lembro que numa das primeiras vezes que fomos até ela, perguntei a minha mãe porque as pessoas jogam moedas aos peixes ao invés de comida. Minha genitora, que nunca foi dada a vislumbres ficcionais, disse-me algo que, mesmo sem saber, transformou aquele lugar no ponto conflitante entre minha realidade e minha imaginação: aquela era uma fonte dos desejos!

Infelizmente, com o passar do tempo e o assombro das responsabilidades acumuladas, tendemos a substituir esse aspecto quixotesco da infância.

Ontem à noite, após quase 20 anos, passei novamente pela tal fonte. Tinha o caminhar apressado e fôlego quase nulo. A última condução para meu merecido descanso sairia em poucos minutos.

Não sei bem se foi a tranqüilidade do horário ou minha felicidade pelo dia exaustivo que tive, mas retrocedi alguns passos. Tal como Narciso, admirei meu reflexo, sombrio e desbotado de luz artificial, antes mesmo de passar os olhos pelo entorno.

Tão saudoso quanto Casimiro de Abreu, lembrei-me daquelas manhãs gélidas e fugazes. Abri um pequeno sorriso, agradeci e me afastei, sentindo-me renovado.


H (Novo.. denovo)

2 comentários:

Anônimo disse...

continue fazendo poesia

Juliana Almeida disse...

Sei qual era a loja de tecidos: Varejão Chaves! (sensacional a escolha da imagem do post Aga! Chaves na fonte, Varejão Chaves, fonte dos bombeiros!!)Fui tb algumas vezes nesta loja qdo era criança, e também adorava uma "fonte dos desejos" muito próxima dali, mas não era a dos bombeiros e sim de uma loja de gnomos, fadas, bruxas e pedras. Tb era cheia de moedas, mas não tinha peixes...só pedras coloridas, fumaça e luz no fundo, mas encantava a pequena Jujuba de qualquer modo ;-)
O post me trouxe boas lembranças! Beijo!!
Saudades!!