Sábado. O dia amanhece tão
preguiçoso quanto eu. Nem o banho gelado (sim, eu adoro!) e o café sem açúcar
que tomo antes de sair parecem ajudar na disposição que preciso. O que me anima
é o fato de saber que este não será o único café que tomarei ao longo do dia.
Sim, eu ainda me contento com pouco.
Como toda pessoa (ou a grande
maioria) de “meia idade”, adquiri uma mania que alguns amigos, por várias
vezes, já apelidaram de TOC: procuro organizar tudo que utilizarei logo cedo
ainda no dia anterior. Pensando bem, de certa forma, isso é um TOC. Mas não
ligo para isso. Estou ficando velho e acho que posso me permitir uma psicose ou
outra. Mantem a mente ocupada e me deixa sempre alerta.
Saio de casa tranquilamente.
Prefiro sempre reservar alguns minutos de folga para fazer uma caminhada
pausada até o ponto de ônibus.
Sei que pode parecer estranho,
mas, apesar de detestar acordar cedo, eu gosto de manhãs. Acho que capitei isso
por osmose, já que um grande amigo era idêntico neste quesito. Gosto de
apreciar a variedade de cores, o aroma mais fresco e (em certos dias) mais
úmido do ar. Até aquela brisa fria e dilacerante tenho como um coringa.
Na metade do caminho, um casal
passa por mim numa corrida sincronizada. Eu solto outra bufada de fumaça do
cigarro, que logo desaparece em redemoinho acima da minha cabeça. E penso:
respeito muito quem acorda tão bem disposto a ponto de promover uma corridinha
pelo bairro, com o cônjuge junto. Mas nunca invejarei isso! De forma alguma.
Alguns anos atrás, uma ex-namorada tentou me “por na linha” como ela mesma
dizia. Aos finais de semana, acordávamos bem cedo e pedalávamos por quase duas
horas sem descanso. O namoro não durou 3 meses. Esforcei-me muito para adquirir
esta “barriga de pochete”. Seria, no mínimo, insano fazer ainda mais esforço
para perde-la. Não sou tão desalmado com as minhas coisas!
Está uma manhã mais fria do
que eu havia previsto. Não que eu me importe com isso. Gosto muito do frio.
Além de manter minha sudorese sob controle, ainda me dá mais disposição e
auxilia nas minhas já raras horas de sono.
Mais à frente, vejo uma
senhora com um casaco puído parada na calçada. Ela olha vagamente para um lado,
depois para o outro. Parece perdida ou procurar alguém que está para chegar.
Estou a 10 passos dela e não consigo deixar de pensar: “não seria engraçado se
ela anunciasse um assalto assim que me visse?”. Eu abro um sorriso amarelo,
mais por visualiza-la ir embora com uma mochila surrada contendo um livro, um
sanduiche e uma maçã, do que pelo fato disso realmente acontecer.
Quando estou a dois passos da
senhora, o MP3 faz uma breve pausa na troca das músicas e posso ouvi-la me
chamar. Instintivamente, libero um dos meus ouvidos e me mostro solicito para
ajuda-la. Ela me oferece duas coisas. Um “bom dia” muito simpático e sincero; e
um panfleto com os dizeres ‘Você está pronto para aceitar Jeová em sua vida?’
na capa.
Eh... a velhinha abre um
sorriso como se achasse que isso me ajudaria a estender a mão e aceitar o
panfleto de bom grado. Sem saber, ela me coloca num dilema: não costumo negar aceitar o que me é oferecido “na rua” por estranhos. Porém, sou quase um ateu.
Mas decido que ela está com sorte.
Levantei de bom humor e o clima frio só faz corroborar essa sensação. Aceito o
panfleto e retribuo o cumprimento. Nem preciso dizer qual das duas coisas
oferecidas pela velhinha saltou comigo no meu destino, né?!
Este sábado foi estranho. Um
bom sábado. Mas sem religião para mim, por favor!
H (religião é o cúmulo)