Não nos conhecíamos pessoalmente. Encontrávamos vez ou outra, ora numa livraria ou sebo, ora numa reunião entre amigos próximos. Na verdade, depois de certo tempo, nossos “esbarrões” tornaram-se bem freqüentes. Não podia se esperar menos, já que tínhamos um círculo de amizade muito parecido e, consequentemente, restrito.
Porém, apesar disso, além do fato de compartilharmos o mesmo idioma, nunca tivemos a oportunidade de trocar uma única palavra. Nem um “Olá! Tudo bem?!”, “Prazer em conhecê-lo”.
A solitária vez em que tentei lê-lo (“Memorial do convento”), foi graças a um dos meus tios maternos, um típico intelectual-entusiasta que, na falta de um filho, apreciava repartir sua vasta sapiência com seus sobrinhos (pensando bem, até me lembrou alguém agora! rs). Daí já se vão 12, 13 anos...
Consegui chegar, com hercúleo esforço, ao final do primeiro capítulo. Confesso que o achei deveras rebuscado para o meu gosto literário na época. Poderia ter lhe dado uma segunda chance. Na verdade, deveria! Mas estávamos em sintonias diferentes naquele momento. Eu havia acabado de descobrir Agatha Christie e o princípio de todo o seu universo lingüístico e construtivo. Ele, por sua vez, tinha seu modus operanti recompensado através do Prêmio Nobel. Logo virou moda, caindo nas graças dos povos de língua portuguesa que ainda não o conheciam. Não que ele precisasse disso. Realmente, não precisava. Mas quem não gosta de ter seu trabalho reconhecido em uma escala tão alta quanto essa?!
Mesmo assim, meu fascínio pelos romances policiais me cegava diante de qualquer outro gênero literário. Pelo menos, quando se tratava das minhas leituras livres, sem qualquer compromisso. E convenhamos, Saramago não é o tipo de leitura que se faz forçadamente. Não pode existir forma eficaz de apropriação através dessa fórmula retrógrada do nosso ensino público (post em breve).
Desde então, durante esses 12, 13 anos, venho adiando esse nosso embate. Mesmo trabalhando a mais de 4 anos numa biblioteca que possui (quase) todas as obras do literato luso, nunca sequer folheei uma de suas obras.
Aí está, confessado em linhas para a eternidade (?!): eu, Agamenon Picolli Leite, paulista, 27 anos, graduando de biblioteconomia (WTF?!), cinéfilo acima de tudo, jamais li (até o fim) Saramago. Mas, como dizem por aí, nunca é tarde demais para se redimir.
José de Sousa Saramago. Ateu, como provavelmente um dia eu também serei, morreu na última sexta-feira. Durante boa parte de sua passagem terrena, teve uma vida parecida com a minha de agora: sem muita emoção e/ou importância. Autodidata, felizmente descobriu a tempo uma maneira de deixar seus passos gravados pelos caminhos desse mundo. A partir daqui, tenho certeza que viveu prazerosamente até o fim.
"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais." (J. S.)
H (nunca é tarde para se tentar)