Sinto falta. Muita falta de como
a vida era, 12, talvez 13 anos atrás. Ela não é injusta, como muitos dizem.
Possui, na verdade, uma face vil e misteriosa que, para aqueles de pensamento
pacatamente inclinado para o lógico e limitado, fica mais fácil e é muito mais
reconfortante rotulá-la maldita do que bendizê-la. Nada é culpa, tudo é
conseqüência.
Da mesma maneira, a vida também
não é cruel. Crueldade é substantiva-la em excesso, como numa tentativa utópica
de reescrever a fábula de Pinóquio e Geppetto. Vida deveria ser, frequentemente,
mais verbo e adjetivo.
Confesso que é difícil.
Extenuante, às vezes. O impossível não é peça de coleção, mas vocábulo de uso
desregrado. Até um coração de pedra pode sangrar. Sim, pode.
Você tem o direito de se
arrepender de muitas coisas, atos e ações. Contudo, nem meio mundo e três
oceanos são obstáculos plausíveis para engavetar-se à comiseração. Acordado
também se sonha. Não raro, imperceptivelmente. Tempo é invenção do ser humano,
esse animal irracional que, mesmo podendo falar, prefere por inúmeras vezes o
silêncio. E se arrepende quando o céu já está estrelado. Distância são grades
autoimpostas, amarras invisíveis de uma consciência subconsciente.
Sinto falta do início. O fim, já
conheço muito bem. E seu sabor na boca, impregnado entre meus dentes é nauseante.
Agridoce.
De herança, aquela que realmente
vale, ficaram as imagens. Cenas em um devaneio reprisado. Já desbotadas,
esbranquiçadas nas pontas, levemente turvas pelo restante do quadro. Fazer o
quê?! O projetor está velho e o restaurador está morto.. por dentro.
E se há algo que se possa contar,
que valha a pena ser repassado, é que a vida, esse adjetivo fugaz e lisonjeiro,
perdeu um pouco de graça. Seu foco, a partir de agora, minguará em qualidade. O
brilho se perdeu, de repente.
E pela segunda vez, minha
despedida foi encenada com um objeto inanimado. Sentirei falta das palavras
mortas na ponta da língua e dos sentimentos semicerrados. De escrever cartas
que nunca serão lidas, ensaiar encontros de reconciliação, temer previamente
por tapas que não serão mais deferidos.
A vida, minha vida na verdade,
foi outra com você. E será outra sem. Insossa, opaca e assustadoramente
previsível. Foi-se a lima que arredondou meus cantos. Entretanto, como diz um
ditado italiano, que meu avô repetia sempre, “quem nasce quadrado não morre
redondo”.
Vida não é culpa. É consequência.
Agora eu sei. Você, sempre soube. Fim.
“A meia distância
Claridade infusa na sombra,
treva implícita na claridade?
Quem ousa dizer o que viu,
se não viu a não ser em sonho?
Mas insones tornamos a vê-lo
e um vago arrepio vara
a mais íntima pele do homem.
A superfície jaz tranqüila.”
(Carlos Drummond de Andrade,
‘Como encarar a morte’, 1984)