terça-feira, 22 de março de 2011

Meus morcegos


Consciência pesada pelas atitudes de outrem em relação a mim. É estranho isso atrapalhar meu sono quando, na verdade, deveria ser o contrário.

E por que não é? Talvez a própria falta da consciência alheia seja o motivo mais óbvio e, consideravelmente, o mais irritante.

Pensamentos retrospectos me invadem, turvando meu já enegrecido repouso. Como já dizia, sabiamente, Augusto dos Anjos: “Por mais que a gente faça, à noite,” eles entram “imperceptivelmente em nosso quarto”.

São os meus morcegos, meus fantasmas. Toda a vida de histórias que, antes, não quis me livrar. Como poderia eu saber que tais recém-nascidos, nutridos substancialmente de meus medos, cresceriam tão rápido!

Filhos bastardos de um passado inglório! (desculpe o jogo de palavras, Tarantino!) Tal como a origem, mereciam o mesmo destino: a morte!

Porém, não sou desses que deseja em vão aquilo que não quer ter de volta. Muito menos, sou capaz de largá-los numa lixeira qualquer. Querendo ou não, são meus rebentos. Nasceram de meus fracassos, sendo, dessa forma, inábeis de autossuficiência.

Alimento-os na esperança de que, um dia, fiquem tão grandes e pesados que eu já não suporte mais carregá-los por todos os lugares. Restar-lhes-á, apenas, devorar-me por completo e, consequentemente, morrerem de inanição.


H(cansado.. na maior parte do tempo)

sexta-feira, 11 de março de 2011

Confidentes


Quando estamos a sós, ela e eu, as coisas parecem ficar diferentes. Não quero dizer com isso, ingenuamente, que o mundo todo se transforma. Não. O exterior continua imutável.

O que se transforma mesmo é a nossa relação. Tornamo-nos confidentes. O restante do planeta continua lá, seguindo seu rumo. Contudo, quando estamos juntos, ele não passa disso: o resto.

Com ela, posso desabafar sobre meu dia, meus problemas, minhas angustias. Porém, em nenhum momento ela me prometeu que teria resposta para todos os meus questionamentos. Muitas vezes, faz apenas repetir a mesma frase, sem mudar uma vírgula de lugar: “você já sabe a resposta para isso”.

Poderia achar tudo monótono, chato ao extremo. Mas não. Arrisquei ao dizer, recentemente, que essa parece ser a relação mais igualitária e transformadora de toda a minha (já longa) vida.

Em troca das minhas palavras, ela somente pede a minha fidelidade. Claro que tenho liberdade para escolher nossos encontros, as datas e horários. Ainda assim, mesmo em dias que não estou “no clima”, sinto-me tentado a encontrá-la. Se existe algo que ela aprendeu perfeitamente sobre mim é como me hipnotizar.

Nosso diálogo é franco. Nossos carinhos, sinceros. Deslizo pela sua pele com suavidade. Ela sempre me pede mais, que o nosso contato dure pelo tempo que ficarmos por ali, juntos. Nada de eterno. Apenas o momento. É isso que ela quer e faz questão de me exigir.

Com ela consigo ser o mais transparente. Não preciso usar máscaras, gírias, falsos sentimentos. Por um curto período, sou completo – por estarmos só nós. E, ainda assim, tenho a sensação de que falta algo.

A sensação permanece. Pelo menos, até o nosso próximo encontro... Num fim de tarde, quente e purificante. Ou numa madrugada qualquer, gélida e acolhedora.


H (just do it)

terça-feira, 1 de março de 2011

Verbo intransitivo


Alguns dias atrás me questionaram sobre você. Não diretamente, claro! Até porque, não são todos que lhe conhecem como eu conheci e/ou sabem da história que tivemos.

Alguém que, até então, era-me desconhecido, fez-me a mesma pergunta que há tempos não ouvia: “você já amou alguém?”. Confesso que fui pego de surpresa. Não pela pergunta em si, um mero acaso, comum nessas ocasiões em que desconhecidos são postos frente a frente.

O motivo da surpresa foi o vislumbre que ela me remeteu: nós dois, numa cama. Eu, quase imóvel. Apenas o tórax arfando em curtos intervalos e a mão esquerda, se embrenhando pelo seu cabelo cor de fogo. Sua cabeça, aninhada ao meu peito, seguia esse ritmo de elevador, enquanto seus dedos dedilhavam minhas costelas, seu “piano imaginário”, como você mesma dizia.

O quarto que, até alguns minutos antes se assemelhava a um canteiro de obras, agora encontrava-se invadido por uma bruma de silêncio. De repente, crente que estava adormecida, ouço um sussurro semelhante a sua voz:

“posso fazer uma pergunta?”

“você quer dizer ‘outra’ pergunta, não é?”

“isso, seu palhaço!”

“desde que você me conceda o direito de não-reposta, fique à vontade”

“mais do que já estou?!”

“e quem é o palhaço agora?!”

“você já amou alguém?”


Todo esse flash me veio a mente nesse dia, naquele círculo de amigos. Foi estranho relembrar tudo isso. Sentir saudade, sabe?! Afinal, a saudade que sentimos, na maioria dos casos, e especialmente neste, não passa da sensação de que algo não foi totalmente apreciado. E, mesmo nossa história sendo tão breve, posso dizer, seguramente, ela teve um começo, um meio e um fim.

“como assim? Explique-se melhor!”

“Ué, simples: você já gostou de alguém a ponto de não perceber a existência de mais ninguém em sua vida?”

“não. Acho que não.”

“nesse quesito não existe ‘acho’, baby!”

“então você já tem a sua resposta”

“é.. eu também”


Lembro-me, agora, de nunca mais termos tocado (tão abertamente) no assunto. Sei que você gostaria. Mas não o fez. Posso deduzir, como principal motivo, nossos momentos exteriores: prometemos mutuamente não deixar nada interferir. Contudo, foi em vão. O fim refletiu muito bem isso. Era nítido que você tinha outras paixões. Eu desconhecia tudo que vinha depois do “hoje”. Seria muita pretensão minha querer enraizar seu futuro (que eu sabia, seria) brilhante em “nós”. Nossas vidas aspiravam caminhos diferentes; éramos trilhos fadados ao desencontro.

Essa pessoa, que hoje tenho como um amigo, ao ouvir minha resposta, passou às minhas mãos um livro, aberto numa página a ermo, pedindo-me que lesse uma sequência de palavras. Não disse no momento, mas julguei deveras precipitado ler tal trecho assim, fora de um contexto:


"A maior das dores da vida é gostar de alguém e não poder viver com ele. Por quê?... Uma vez, quando eu perguntava o que havia de errado entre nós, ele disse: ‘Você quer que eu abra mão da minha condição humana. E eu não posso fazer isso. Prefiro morrer.’ Eu compreendi de imediato. Respondi: ‘Não morra. É melhor que viva e continue sendo um estranho.’"

(Sándor Márai, “De verdade”, p. 67)


Ao terminar a leitura, vi-me novamente naquele quarto, tentando explicar o quão pequeno e limitado era meu mundo para mantê-la nele. Lembro-me que fiz uma analogia pouco elucidativa sobre uma gaivota e uma gaiola. Você deu aquele seu sorriso de soslaio (que eu apelidei de “Monalisa”) e disse “concordo”.

Hoje, somos amigos. Melhores amigos! E, baseado nisso, quero que você saiba: depois de passado tanto tempo, minha resposta foi diferente daquela que lhe dei. Bem diferente.


H (vivo e revivo)