Alguns dias atrás me questionaram sobre você. Não diretamente, claro! Até porque, não são todos que lhe conhecem como eu conheci e/ou sabem da história que tivemos.
Alguém que, até então, era-me desconhecido, fez-me a mesma pergunta que há tempos não ouvia: “você já amou alguém?”. Confesso que fui pego de surpresa. Não pela pergunta em si, um mero acaso, comum nessas ocasiões em que desconhecidos são postos frente a frente.
O motivo da surpresa foi o vislumbre que ela me remeteu: nós dois, numa cama. Eu, quase imóvel. Apenas o tórax arfando em curtos intervalos e a mão esquerda, se embrenhando pelo seu cabelo cor de fogo. Sua cabeça, aninhada ao meu peito, seguia esse ritmo de elevador, enquanto seus dedos dedilhavam minhas costelas, seu “piano imaginário”, como você mesma dizia.
O quarto que, até alguns minutos antes se assemelhava a um canteiro de obras, agora encontrava-se invadido por uma bruma de silêncio. De repente, crente que estava adormecida, ouço um sussurro semelhante a sua voz:
“posso fazer uma pergunta?”
“você quer dizer ‘outra’ pergunta, não é?”
“isso, seu palhaço!”
“desde que você me conceda o direito de não-reposta, fique à vontade”
“mais do que já estou?!”
“e quem é o palhaço agora?!”
“você já amou alguém?”
Todo esse flash me veio a mente nesse dia, naquele círculo de amigos. Foi estranho relembrar tudo isso. Sentir saudade, sabe?! Afinal, a saudade que sentimos, na maioria dos casos, e especialmente neste, não passa da sensação de que algo não foi totalmente apreciado. E, mesmo nossa história sendo tão breve, posso dizer, seguramente, ela teve um começo, um meio e um fim.
“como assim? Explique-se melhor!”
“Ué, simples: você já gostou de alguém a ponto de não perceber a existência de mais ninguém em sua vida?”
“não. Acho que não.”
“nesse quesito não existe ‘acho’, baby!”
“então você já tem a sua resposta”
“é.. eu também”
Lembro-me, agora, de nunca mais termos tocado (tão abertamente) no assunto. Sei que você gostaria. Mas não o fez. Posso deduzir, como principal motivo, nossos momentos exteriores: prometemos mutuamente não deixar nada interferir. Contudo, foi em vão. O fim refletiu muito bem isso. Era nítido que você tinha outras paixões. Eu desconhecia tudo que vinha depois do “hoje”. Seria muita pretensão minha querer enraizar seu futuro (que eu sabia, seria) brilhante em “nós”. Nossas vidas aspiravam caminhos diferentes; éramos trilhos fadados ao desencontro.
Essa pessoa, que hoje tenho como um amigo, ao ouvir minha resposta, passou às minhas mãos um livro, aberto numa página a ermo, pedindo-me que lesse uma sequência de palavras. Não disse no momento, mas julguei deveras precipitado ler tal trecho assim, fora de um contexto:
"A maior das dores da vida é gostar de alguém e não poder viver com ele. Por quê?... Uma vez, quando eu perguntava o que havia de errado entre nós, ele disse: ‘Você quer que eu abra mão da minha condição humana. E eu não posso fazer isso. Prefiro morrer.’ Eu compreendi de imediato. Respondi: ‘Não morra. É melhor que viva e continue sendo um estranho.’"
(Sándor Márai, “De verdade”, p. 67)
Ao terminar a leitura, vi-me novamente naquele quarto, tentando explicar o quão pequeno e limitado era meu mundo para mantê-la nele. Lembro-me que fiz uma analogia pouco elucidativa sobre uma gaivota e uma gaiola. Você deu aquele seu sorriso de soslaio (que eu apelidei de “Monalisa”) e disse “concordo”.
Hoje, somos amigos. Melhores amigos! E, baseado nisso, quero que você saiba: depois de passado tanto tempo, minha resposta foi diferente daquela que lhe dei. Bem diferente.
H (vivo e revivo)