quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Personas do Brasil I


"A execução de Frei Caneca", quadro de Murilo la Greca

Já faz algum tempo que venho ensaiando o lançamento de um quadro 100% "tupiniquim". E, como incentivo, também tenho recebido algumas dicas e emails com ideias sobre isso. Sei que tenho parecido muito "estrangeiro" desde o lançamento do blog. Realmente, parando para pensar sobre isso, meu filme favorito é americano, minha banda favorita é inglesa, o carro dos meus sonhos é italiano, e o livro que mais gostei de ler foi escrito por um francês. E assim por diante.

Contudo, acho que o momento não seria tão propício para inaugurar uma nova série de postagens. Afinal, como eu pincelei aqui, esse blog terá um fim em breve. Mesmo assim, seguindo minha filosofia de "deixar o barco navegar", eis o novo quadro do meu mundo. Ele será uma miscelânea de vários outros: terá um propósito muito parecido com o falecido "História com H"; basear-se-á (valeu, Word!) em algo que remete ao "Momento poesia"; porém, sua base será personalidades brasileiras, indivíduos que foram marcantes em algum instante da história do nosso país.

Para debutá-lo, escolhi um dos mais célebres ativistas pelo fim do nosso claustro monárquico no início do século XIX. Porém, o intuito não é o de relatar sobre a vida desse personagem. Quem o quiser, pode consultá-la aqui. Minha intenção é a de transmitir uma impressão, uma maneira encontrada por outra pessoa para eternizá-lo. Nesse caso específico, João Cabral de Melo Neto, um dos maiores expoentes da poesia nordestina que, em sua obra intitulada "Auto do Frade", transcreve sua ideologia sobre os últimos dias de Frei Caneca. Separei alguns trechos abaixo:

"Acordo fora de mim
como há tempos não fazia.
Acordo claro, de todo,
acordo com toda a vida,
com todos cinco sentidos
e sobretudo com a vista
que dentro dessa prisão
para mim não existia.
Acordo fora de mim:
como fora nada eu via,
ficava dentro de mim
como vida apodrecida.
Acordar não é de dentro,
acordar é ter saída.
Acordar é reacordar-se
ao que em nosso redor gira.
Mesmo quando alguém acorda
para um fiapo de vida,
como o que tanto aparato
que me cerca me anuncia:
esse bosque de espingardas
mudas, mas logo assassinas,
sempre à espera dessa voz
que autorize o que é sua sina,
esses padres que as invejam
por serem mais efetivas
que os sermões que passam largo
dos infernos que anunciam.
Essas coisas ao redor
sim me acordam para a vida,
embora somente um fio
me reste de vida e dia.
Essas coisas me situam
e também me dão saída;
Ao vê-las me vejo nelas,
me completam, convividas.
Não é o inerte acordar
na cela negra e vazia:
lá não podia dizer
quando velava ou dormia."


"Ei-lo que vem descendo a escada,
degrau a degrau. Como vem calmo.
Crê no mundo, e quis consertá-lo.
E ainda crê, já condenado?
Sabe que não o consertará.
Mas virão para imitá-lo."

Ambos merecem uma leitura mais aprofundada. Melo Neto, por sua obra riquíssima, de uma sonoridade e cadência sem precedentes. Frei Caneca, por sua vida de religioso que acreditava e pregava algo mais substancial do que meras palavras de conforto e julgamento.


H (brasileño)

Nenhum comentário: