quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A perda da inocência - post convidado



Minha mãe sempre me dizia que o mais surpreendente dos seres humanos somos nós mesmos. Maria como 90% das mulheres da mesma faixa etária, tinha uma vitalidade e paz de espírito de dar inveja a qualquer monge budista.

Ela e meu pai se casaram ainda numa época em que a escolha cabia aos pais da moça. Mas ela teve sorte, segundo ela própria me disse certa vez: “logo que pus os olhos no seu pai, sabia que ele era para toda a minha vida”.

Juntos, eles tiveram três filhos. Como toda adolescente que se preze, dei tanto trabalho para os dois (meus pais), que fugi de casa quando fiz 16 anos.

Nunca liguei para os seus ensinamentos. Tudo que saía da boca deles, para mim, soavam como broncas e sermões.

Porém, mesmo estando longe, mandava uma carta por trimestre, só para dar notícias. Provavelmente, repensando hoje, o fazia por um remorso estúpido, do tipo que magnetiza ao ponto de garantir saudade o bastante para não eu atravessar a fronteira da volta para casa. Ficava ali, estagnada na vontade. Eles, talvez prevendo que o mundo iria me “endireitar”mais cedo ou mais tarde, nunca me pediram para retornar.

E eu não vou dizer que ele (o mundo) conseguiu. Muito pelo contrário! Ele me permitiu ser aquilo que tinha vontade, voar até onde as minhas asas me sustentassem. Ele me garantiu a subsistência de lucidez que, tenho certeza, a proteção familiar nunca nutriria.

De mãos dadas com o mundo, experimentei um pedaço de cada sentimento; cada sofrimento; cada indivíduo que cruzou meu espaço. Aprendi a amar o hoje e respeitar a liberdade. Passei por tantos lugares que deixaria Gengis Khan no chinelo.

E, depois de 7 anos distante da lagoa onde fui gerada, retornei para aquilo que nunca me pertenceu. Não fui recebida com toda a pompa de chefe de Estado, mas com um carinho que me surpreendeu. Havia saído tal como um anticristo e voltei como uma canonizada. E, pela primeira vez na vida, senti vontade de ficar, de ter um lugar para chamar de meu e moldá-lo “à minha imagem e semelhança”.

Porém, não demorou muito para a realidade dar o ar de sua graça, esbofeteando minha face, avisando que a fantasia só faria mal a minha vida.

Saí novamente, carregando comigo o ensinamento de que o lado ruim da vida não é provar da existência da maldade, mas alegar desconhecer sua abrangência, sua totalidade, nas mais variadas formas.

BeKa Ruiz

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